Ver uma pessoa com mais de
60 anos ter prioridade na fila do supermercado, de bancos, no ônibus ou em
outros locais se tornou mais comum no país. Por vezes ainda desrespeitado, o
direito dos idosos de ter prioridade em diferentes serviços, e outras
garantias, ficou amplamente conhecido depois do Estatuto do Idoso, que completa
15 anos de vigência nesta segunda-feira (1º).
Criado pela Lei 10.741, em
1º de outubro de 2003, quando o Brasil tinha 15 milhões de idosos, o estatuto
trouxe, de forma inédita, princípios da proteção integral e da prioridade
absoluta às pessoas com mais de 60 anos e regulou direitos específicos para essa
população.
“Foi a primeira legislação
que de fato passa a regular os direitos humanos das pessoas idosas. Eu trabalho
na área de envelhecimento há quase 40 anos e, na época, nós éramos um dos
países que não tínhamos uma legislação que permitisse penas e sanções
administrativas para aqueles que praticassem maus-tratos e violência”, relata
Laura Machado, representante da Associação Internacional de Gerontologia e
Geriatria na ONU e membro do conselho do HelpAge Internacional.
A partir do estatuto, pela
primeira vez, negligência, discriminação, violência de diferença tipos,
inclusive a financeira, e atos de crueldade e opressão contra o idoso foram
criminalizados e hoje são passíveis de punição. O estatuto também aumentou o
conhecimento e a percepção dos idosos sobre seus direitos.
“O idoso hoje sabe que não
pode ser uma voz passiva, que tem direitos assegurados, isso está muito mais
disseminado pela população como um todo. E não é só em relação a ter
preferência na fila ou ter uma vaga para encostar o carro. Isso melhorou, mas
acho que as pessoas se sentem mais empoderadas e cientes dos seus direitos”,
diz Alexandre Kalache, epidemiologista especializado em envelhecimento.
Kalache, que também é
presidente do Centro Internacional de Longevidade, acrescenta que, apesar de
não estar totalmente implementado, o estatuto impede o retrocesso de direitos
já garantidos pela Constituição ou outras políticas transversais de proteção
aos idosos.
“Por termos um estatuto do
idoso, nós tivemos recentemente a reversão da decisão da Agência [Nacional] de
Saúde Suplementar, que voltou atrás daqueles 40% de coparticipação nos planos
de saúde, porque houve muitas críticas da sociedade civil, conselhos e outras
entidades que disseram isso não pode ser feito sem uma escuta, um diálogo”,
comenta Kalache.
Para a Pastoral da Pessoa
Idosa, que desde a década de 90 atende idosos em condições de vulnerabilidade,
o estatuto qualificou a assistência social e mudou a percepção de outras
gerações sobre o idoso. “O fato de ter uma legislação que assegura
direitos dá maior credibilidade, visibilidade e segurança a todo um trabalho,
seja da pastoral, seja de outras instituições que se dedicam à causa”, afirmou
Irmã Terezinha Tortelli, coordenadora da pastoral.
O secretário nacional dos
Direitos da Pessoa Idosa, Rogério Ulson, lembra que a implementação do
estatuto, fruto de mobilização da sociedade, representou uma mudança de
paradigma, “já que amplia o sistema protetivo desta camada da sociedade,
caracterizando verdadeira ações afirmativas em prol da efetivação dos direitos
da pessoa idosa”.
O secretário, no entanto,
reitera que a luta envolve ajustes na política da pessoa idosa e enfrentar
desafios culturais, “como de que envelheceu e acabou: você ganha um pijama, um
chinelo e uma poltrona”.
Aprimoramento da legislação
Em âmbito internacional,
integrantes de organizações brasileiras estão articulando junto à Organização
das Nações Unidas (ONU) para a aprovação de uma Convenção Internacional dos
Direitos da Pessoa Idosa.
As organizações também esperam
que o Congresso Nacional aprove a Convenção Interamericana dos Direitos das
Pessoas Idosas, instrumento que foi aprovado por países da América Latina, em
2015, na Organização dos Estados Americanos (OEA).
A pesquisadora Laura Machado
enfatiza que a ratificação da Convenção Interamericana seria um passo
importante para atualizar a política de proteção dos idosos e avançar em
relação às metas estabelecidas no Plano Internacional de Madri para o
Envelhecimento, de 2002, do qual o Brasil é signatário.
A iniciativa de uma
convenção internacional tem o apoio do governo federal. “Significa uma mudança
de paradigma da perspectiva biológica e assistencial para visão social dos
direitos humanos, visando eliminar todas as formas de discriminação. É
reconhecer também que as pessoas, à medida que envelhecem, devem desfrutar de
vida plena, com saúde, segurança, e participação ativa na vida econômica,
social cultural e política de suas sociedades”, declara o secretário Ulson.
Na Câmara dos Deputados, 147
projetos de lei que mudam ou aprimoram alguns pontos do Estatuto do Idoso estão
sob análise. A maioria trata de mobilidade, acesso à moradia, saúde, direitos
humanos e questões relacionadas a trabalho, emprego e assistência social.
Segundo a secretaria da
Subcomissão do Idoso, os projetos mais viáveis poderão compor um relatório com
recomendações para apreciação dos parlamentares da próxima legislatura.
(MA10)